terça-feira, 20 de junho de 2017

Albergues...lugar de gente!

É preciso permitir que alguém nos ajude, nos apoie, nos dê forças para continuar. 
Se aceitarmos este amor com pureza e humildade, 
vamos entender que o amor não é dar ou receber, é participar".
Paulo Coelho

Essa é a maior dúvida do peregrino: onde passarei a noite? A caminhada é uma certeza, alimentação pode ser feita durante a caminhada, nas possíveis paradas, mas e a noite? Onde será? Vou conseguir um lugar em algum albergue ou não?

O Caminho de Santiago possui muitos albergues, você pode encontrá-los nos diversos guias e aplicativos disponíveis.
Existem os albergues municipais, que na maioria das vezes é administrado pelas municipalidades, mas existem também aqueles que foram "arrendados" e sua administração está sob responsabilidade de terceiros, albergues paroquiais que estão sob a responsabilidade das igrejas ou conventos e os albergues privados.



Mensagem do hospitaleiro


Os preços variam muito desde uma contribuição consciente até média de 12 Euros.
Geralmente você vai encontrar aquele quartão coletivo cheio de beliches, com banheiro também coletivo, chuveiro com timer, cozinha compartilhada. Mas em alguns albergues pode encontrar quartos menores com 4 beliches e alguns banheiros, fazendo com que o uso seja melhor dividido. Ou então em albergue privado, pode encontrar quartos ou suítes menores, com 2 ou 3 camas, o que significa uma suíte maravilhosa!
Muitos albergues fornecem alimentação, jantar e café de manhã. Geralmente você consegue utilizar a cozinha e fazer o seu jantar, as compras podem ser feitas num mini mercado dentro do albergue ou em algum lugar na cidade/pueblo onde estiver.




Descansando


Não vejo problema algum em conhecer o albergue antes de se registrar, perguntar se tem refeição, camas embaixo ( eu acho bem mais confortável, pois você tem um lugar para sentar, retirar as botas, se arrumar com mais tranquilidade), lavadora e secadora de roupas, água quente, cobertas, aquecedor, e só então decidir se quer ou não permanecer no local.
Eu mesma já entrei em albergues para conhecer e decidi não ficar por vários motivos. Já fiquei em albergue que parecia uma suíte de hotel, com aquecedor, mantas, banheiro privativo, tomadas e luminárias individuais, restaurante, lavadora de roupas, enfim, todo o conforto que o peregrino merece pelo mesmo preço. Mas também fiquei em albergue com as camas velhas, sujas, colchão super usado, mantas velhas, chuveiro frio, box entupido, comida horrorosa!




Donativo estipulado

Decididamente eu não acredito que o peregrino deva ser tratado de forma a merecer o sofrimento. Não compartilho da frase que o peregrino deve aceitar o que lhe oferecerem e ainda agradecer. Especialmente se estiver pagando por isso. Todos nós sabemos que O caminho de Santiago é uma significativa fonte de renda para os Espanhóis e especialmente para as finanças do Governo, sendo assim, nada impede que a estrutura seja adequada e confortável. Que o peregrino seja muito bem tratado e valorizado.


Mensagem no albergue

Uma vez, confiei na hospitaleira de um albergue e deixei as minhas roupas para serem lavadas e secas, saí para o jantar. Ao retornar, ela me disse que já havia lavado as roupas, mas estavam secando e me entregaria no dia seguinte. Confiei. Ao acordar, ela me ofereceu o café da manhã, ao entrar na cozinha, minha roupa estava pendurada no varal interno e a roupa secando ao redor da lareira! Resultado, minha roupa toda limpa e cheirando a fumaça!! E ainda paguei por isso!
Em outro albergue, deixei minhas roupas na secadora e fui descansar um pouco, ao retornar a lavanderia, outro peregrino tinha retirado a minha roupa ainda molhada, colocou num balde e colocou a sua roupa para secar!
Por isso a minha dica é: quando utilizar as máquinas de lavar e secar roupa, fique de olho, verifique a temperatura da secadora ( se a temperatura estiver muito baixa demora demais para secar).



Cozinhando

Minha maior dificuldade era mesmo dormir com os roncadores. Eles estão por toda a parte!! Dormir com a sinfonia dinamarquesa era um martírio! Não tem diferença de sexo, nacionalidade ou faixa etária, a sinfonia noturna é grande. Recomendo os protetores auriculares caso você consiga usá-los.

Tente fazer amizade com o hospitaleiro (a), certamente conseguirá dicas importantes, uma cama melhor, ou aquele quarto reservado especial. Uma vez, cheguei no albergue particular, tinha 2 quartos (6 beliches, "liteiras em espanhol", em cada um). Nos acomodamos no quarto e saímos para o jantar. No retorno, a senhora hospitaleira estava muito brava, e como uma boa espanhola ficava falando alto por todo lado. Entrei no quarto e me assustei com o forte e insuportável cheiro de botas e meias que há muito tempo não viam água. Fui conversar com a hospitaleira e ela estava brava, pois as donas (sim... 2 moças!) daquelas botas se recusaram a lavar as meias. O quarto ficou tomado por aquele cheiro horrível! Eu nunca tinha presenciado algo dessa magnitude, acho que se riscasse um fósforo, explodiria tudo! A senhora hospitaleira, que já tinha ficado minha super amiga, veio conversar comigo, abriu o segundo quarto e pediu para que me transferisse. Os demais permaneceram no mesmo quarto e nem me pergunte como passaram aquela noite!

A maioria dos albergues fecha a porta as 22:00h, depois disso ninguém mais entra. O hospitaleiro vai embora e tudo anda sozinho. É claro que se o albergue for privado e você estiver num quarto privativo, esse horário pode ser modificado.
O mesmo acontece com o horário de sair pela manhã. 8:00h é o limite para deixar o albergue e pegar o caminho. Já fui acordada as 6:00h pela hospitaleira que mais parecia uma militar alemã (mas ela era Austríaca), colocou uma música clássica no volume máximo, acendeu as luzes e dizia good morning em alto e bom som! Nos divertimos muito com ela.

Alerta às Mulheres, o quarto coletivo é aquele com homens e mulheres juntos. Portanto estejam preparadas para ver os homens de cueca passeando pelo quarto. Nos banheiros você estará tomando banho num box, e ao lado um homem estará em outro. Existem albergues em que não tem porta no box do chuveiro, mas o banheiro é exclusivamente feminino. 

A cozinha muitas vezes é bastante disputada para o jantar, caso resolva cozinhar, perceba a movimentação e procure fazer algo bem rápido, pois muitas vezes tem fila para usar o fogão. Uma vez, fizemos as compras para cozinhar num albergue, e uma família italiana estava cozinhando a sua pasta. Eles nos ofereceram o jantar e acabamos comendo a pasta italiana da verdadeira mama!! deixamos as nossas compras no armário para algum peregrino desprevenido.

O albergue também é o local perfeito para desapegos, geralmente chegamos muito cansados e com a mochila "pesada" (de manhã ela pesa 6 kg, a noite já deve ter 60 kg!), por isso você encontrará um lugar com objetos deixados, você pode deixar algo que não usará ou retirar algo que precise.

Existe sempre uma lavanderia, pequena ou grande é o local onde lavamos as roupas na máquina sob o pagamento que varia de 3 a 6 Euros, ou no tanque sem custo algum. Também lavamos as botas se estiverem sujas de lama. Geralmente a disputa do varal é grande,  vale usar a criatividade.



Muitas "literas"

Caso esteja naquele quartão grande coletivo, vai enfrentar um certo barulho pela manhã. Existem peregrinos que preferem iniciar a sua caminhada muito cedo, antes de nascer o sol, acordam e começam a mexer nos sacos plásticos dentro da mochila, depois aquele entra e sai, luzes do celular, pequenos cochichos e inevitavelmente todos acordam. Um grupo de 6 meninas coreanas, acordaram às 5:00h da manhã e ficaram cochichando, se mexendo, zanzando de um lado para o outro e acordaram todo mundo! O pior é que saímos às 7:00 do albergue e elas estavam lá na frente tomando o café da manhã!! Não entendo tanta pressa se o importante é o caminho e não a chegada!

Vale ressaltar que o conceito de higiene pessoal varia muito de pessoa a pessoa, é muito cultural. Muitas vezes você encontrará os chuveiros vazios e os peregrinos deitados em suas camas com as mesmas roupas que caminharam o dia todo!

Confesso que na primeira vez, fiquei um pouco curiosa para conhecer os albergues, já havia me preparado para se necessário, pernoitar em algum hostal ou casa rural, mas em todas as noites do meu caminho eu fiquei mesmo nos albergues. Foi lá que conheci e convivi com os peregrinos de diversos lugares do mundo! Foi onde ouvi histórias, onde fiz a melhor refeição coletiva do caminho, onde rezei, pedi forças para seguir, onde Santiago me preparou a noite de descanso e restaurou meu corpo para mais um dia de caminhada. No albergue é onde a magia acontece. O peregrino chega cheio de dores, cansado, pensando até em desistir, mas a noite a mágica se realiza, leva as dores, o cansaço e renova o corpo e o espírito. O albergue é o porto seguro, o lugar de restauração, do repouso, do pouso. Do encontro com os anjos que nos aguardam e nos guardam. É o lugar de gente, gente que não se esconde, que se mostra por inteiro, sem máscaras. Tantas histórias...

E você? Onde passará a noite?




ULTREYA!








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