quarta-feira, 28 de abril de 2021

O peso que a gente leva...




"Botas...
as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, 
porque, 
fazendo doer os pés,
 dão azo ao prazer de as descalçar."
Machado de Assis









Uma vez, escrevi um texto onde descrevia que os peregrinos formam uma "irmandade", muitas vezes pouco compreendida pelos que estão de fora. Essa "irmandade" se relaciona e se encontra, confraterniza, cria grupos, associações, confrarias, públicas e também privadas ao redor do mundo todo. Hoje, na situação em quer nos encontramos em 2021, um dos locais mais movimentados sem dúvida é nas redes sociais, lugar perfeito para trocas de experiências, informações,  apoio, estudos, e encontros sobre O Caminho.
Outro dia li um texto do Padre Fábio de Melo, nele o autor consegue expressar exatamente o que nós, peregrinos sentimos e buscamos. Ele faz uma analogia entre a vida e a viagem que fazemos durante a nossa existência, e achei perfeito para os peregrinos. Eu me identifiquei muito e por isso resovi compartilhar com vocês. 

Abaixo transcrevi o referido texto:
 
Aproveite a leitura!!


"O peso que a gente leva..
Olho ao meu redor e descubro que as coisas que quero levar não podem ser levadas. Excedem aos tamanhos permitidos. Já imaginou chegar ao aeroporto carregando o colchão para ser despachado?

As perguntas são muitas... E se eu tiver vontade de ouvir aquela música? E o filme que costumo ver de vez em quando, como se fosse a primeira vez?

Desisto. Jogo o que posso no espaço delimitado para minha partida e vou. Vez em quando me recordo de alguma coisa esquecida, ou então, inevitavelmente concluo que mais da metade do que levei não me serviu pra nada.

É nessa hora que descubro que partir é experiência inevitável de sofrer ausências. E nisso mora o encanto da viagem. Viajar é descobrir o mundo que não temos. É o tempo de sofrer a ausência que nos ajuda a mensurar o valor do mundo que nos pertence.

E então descobrimos o motivo que levou o poeta cantar: “Bom é partir. Bom mesmo é poder voltar!” Ele tinha razão. A partida nos abre os olhos para o que deixamos. A distância nos permite mensurar os espaços deixados. Por isso, partidas e chegadas são instrumentos que nos indicam quem somos, o que amamos e o que é essencial para que a gente continue sendo. Ao ver o mundo que não é meu, eu me reencontro com desejo de amar ainda mais o meu território. É consequência natural que faz o coração querer voltar ao ponto inicial, ao lugar onde tudo começou.

É como se a voz identificasse a raiz do grito, o elemento primeiro.

Vida e viagens seguem as mesmas regras. Os excessos nos pesam e nos retiram a vontade de viver. Por isso é tão necessário partir. Sair na direção das realidades que nos ausentam. Lugares e pessoas que não pertencem ao contexto de nossas lamúrias... Hospitais, asilos, internatos...

Ver o sofrimento de perto, tocar na ferida que não dói na nossa carne, mas que de alguma maneira pode nos humanizar.

Andar na direção do outro é também fazer uma viagem. Mas não leve muita coisa. Não tenha medo das ausências que sentirá. Ao adentrar o território alheio, quem sabe assim os seus olhos se abram para enxergar de um jeito novo o território que é seu. Não leve os seus pesos. Eles não lhe permitirão encontrar o outro. Viaje leve, leve, bem leve. Mas se leve."

Pe. Fábio de Melo




Ultreya!

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