quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Caminho da Fé, a pedra

O terceiro dia de caminhada amanheceu com muita chuva. Já saímos da Pousada em Ouro Fino prontos para enfrentar muita água, seriam 31 KM até Borda da Mata. Eu já tinha percebido que meu limite de caminhada estava na faixa dos 20 KM, e já havia conversado com o Silvio sobre a possibilidade de caminhar somente uma parte e terminar de carro ou ônibus. Meu joelho não tinha melhorado, meu pé esquerdo também doía ocasionalmente, então já tinha decidido que não caminharia todo este percurso, só faltava decidir o momento de parar.
Estávamos eu, Lia, Dani, Silvio e Irineu na turma do fundão.


Que lindinhos na chuva


Saímos da cidade e entramos no caminho de terra com muita chuva, muita mesmo! A capa não aguenta muito, as roupas já começam a ficar bem molhadas e depois de 30 minutos os pés também já estavam molhados. A água penetra na meia e na bota formando uma verdadeira piscina. Tudo começa a ficar gelado, foi então que meu pé começou a dar os primeiros sinais, o neuroma piora muito no frio, inverno e com a água fria. A lama começa a grudar na bota formando um enorme "salto anabela", o piso escorrega, é preciso ficar se equilibrando, a mochila parece mais pesada.
Enfim, dá para imaginar a situação da caminhada.

Mesmo com as adversidades nós não perdemos o bom humor e tudo era razão para cairmos na risada. Encontramos o Sítio Arco-Íris e tiramos fotos, foi engraçado pois estávamos brincando com o Irineu que na noite anterior tinha ficado numa pousada de mesmo nome. Estávamos na Estrada dos Santos Negros onde pudemos observar diversas imagens desses Santos com as plaquinhas explicativas.

Parávamos em todas e o Silvio as lia em voz alta, posso dizer que aprendemos bastante também. Depois de 7 Km chegamos em Inconfidentes. Cidadezinha bucólica, bonitinha, arrumadinha, pequena. Estávamos com a incumbência de levar abraços do Zeca ao amigo Maurão. Não foi difícil encontrá-lo, já que é o dono do bar onde os peregrinos fazem a parada. Maurão e sua esposa nos receberam muito bem, são bastante simpáticos e compreensivos com os peregrinos, especialmente na situação em que chegamos.


O trio com o Maurão ( foto especial para o Zeca)

Paramos no bar, na medida do possível nos secamos, trocamos as meias, tentamos enxugar as botas e então, o momento mais difícil para mim. Decidi que ficaria neste ponto, que não seguiria com o grupo. Eu não podia me arriscar a lesionar mais o joelho e ainda mais se meu pé começasse a doer, eu não conseguiria prosseguir.

O caminho estava de difícil acesso e poderia ser um problema ainda maior terem que me "resgatar". Então ali mesmo no bar do Maurão me despedi emocionada dos meus amigos de fé e jornada. Fiquei em Inconfidentes por mais de 1 hora sozinha refletindo sobre tudo, foi muito bom também esse momento de parada e introspecção. Pude avaliar os meus aprendizados, os meus limites, os ganhos e as perdas no caminho.



A Igreja de Inconfidentes

Esse seria o meu último trecho percorrido nesta semana. Peguei o ônibus e segui sozinha para Borda da Mata, viagem que durou menos de 30 minutos. A chuva não parava.
Cheguei com muita chuva na pousada, me instalei num quarto triplo onde esperaria por minhas amigas, que chegaram por volta das 15:30hs muito, mas muito cansadas. Disseram que a chuva tinha parado e o caminho ficou mais leve e fácil, depois de um trecho plano, pegaram muitas subidas e uma enorme e difícil descida final. Nesse dia todo o grupo chegou bastante cansado.
Uma coisa muito curiosa aconteceu nesta caminhada. Por todo o meu caminho vi muitas pedras lindas. Cristais em tons de rosa e azul por toda a parte, ao alcance das minhas mãos. Eu pensava que poderia ali encontrar a minha "pedra", sim, aquela que seria depositada no Caminho de Compostela aos pés da Cruz de Ferro ( já falei aqui sobre o assunto). Não havia falado para ninguém dessa minha intenção, mas o tempo foi correndo, o caminho passando e eu não encontrei a minha pedra.
Quando fui recepcionar meus amigos na chegada da pousada, o Irineu abriu a mão e me mostrou uma pedra, ele me disse: "Célia, esta pedra é para você do caminho que não percorreu".

Eu fiquei sem palavras, me emocionei,só consegui agradecer. Recebi a pedra de uma pessoa que não conhecia, que não sabia da minha intenção em ir a Compostela, e mais, uma pessoa que fazia o Caminho da Fé sozinho, pagando uma promessa feita ao filho por motivo de doença.

Vejam que força e significado importantes tem tudo isso.



A pedra


Em Borda da Mata terminamos a nossa caminhada e nos despedimos do amigo peregrino Irineu, que seguiu seu caminho rumo a Aparecida do Norte.
Nos despedimos dele, que seguiu nos primeiros KMs com o Hermanus, que decidiu caminhar pela manhã enquanto o ônibus que iria nos buscar não chegava.


Bom caminho peregrino!

O Caminho nos reserva muitas surpresas, muitos sinais nos são enviados e é preciso saber identificá-los.

Eu aprendi muitas coisas importantes:
1. Eu conheço o meu limite e agora posso me programar melhor;
2. Como dizem os jogadores de futebol: " treino é treino, jogo é jogo", mesmo treinando, fazendo musculação, me preparando, o momento da caminhada é único e diferente de tudo o que já percorri;
3. É muito importante ter uma companhia, nós três nos demos muito bem e seria ótimo se conseguíssemos ir juntas para Compostela, compartilhar, dividir, reclamar, rir, gargalhar, caminhar juntas foi muito bom;
4. Sei que o caminho é feito por cada um, é único, deve ser prazeiroso e desfrutado com calma e tranquilidade, não há competição;
5. O desapego é fundamental, só devemos carregar as coisas que realmente iremos utilizar, sem excessos;
6. O caminho fala, saiba escutá-lo;
7. As pessoas que encontramos no caminho são especiais e fazem parte de um momento, muitas são anjos que Deus envia para agir em nossa vida de alguma forma, recebemos alimento, água, lugar para repouso, atenção, dicas, conselhos. Os anjos são tão importantes quanto o próprio caminho.
8. Cada um de nós também é responsável pelo outro, pela sua conquista;
9. A conquista do caminho é individual, ninguém pode saborear a vitória do outro, cada um sabe exatamente pelo o que passou, as dores, o sofrimento, as alegrias;
10. Não tome nenhuma decisão ao chegar de um dia de caminhada, recupere-se, repouse, se tiver que tomar alguma decisão espere até o dia seguinte;
11. Se um riacho estiver interrompendo a estrada, pare, pense e olhe, certamente irá encontrar um modo mais inteligente de prosseguir caminhando;
12. Alongamentos antes e depois, muitos;

13. Fazer paradas para descanso e alimentação pelo menos a cada 2 horas;

14. Faça um chek up antes de uma grande caminhada, a orientação médica é fundamental para sua saúde;

15. Procure equipamentos específicos para a sua prática, a tecnologia está ai para ajudar, confie!

16. Hidratação o tempo todo.




O trio na saída da Barra


O rio no caminho


A sinalização é ótima!



Alongamento


A peregrina, o cajado e a sombra


Curando as bolhas



Eu e Hermanus, num brinde


Gostou da casinha vermelha? Então tire a foto!


A generosidade em nos fornecer água fresca


O descanso e o alimento


Sempre em frente.


Ultreya!

3 comentários:

  1. Célia, fiquei emocionada quando li sobre a pedra que ganhaste do Irineu, mesmo sem que ele soubesse da sua procura por ela. A vida sempre está nos surpreendendo, dia após dia! Parabéns e um grande beijo.
    Bete Pasinato

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  2. Adorei o post! Sobre a "pedra" seria coincidência ou destino? A cada treino, te imagino em Santiago de Compostela. Qual será o próximo? Ultreya!

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  3. Celinha, lembre-se: um copo também fica cheio "de gota em gota" e em sendo assim, ao completá-lo e depois beber desta água tão esperada, pode ter certeza, terá um gosto muito especial.Vc sentirá cada uma das gotas e perceberá que o copo cheio é muito importante mas isso só seria possível "de gota em gota". Parabéns Amiga, perceverança, humildade e bom humor, qualidades que vc tem de sobra, te levarão "sempre em frente". Bjs

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